O centro de Moscou se cobriu de branco neste domingo (26/02), mas desta vez não foi mais uma nevada do rigoroso inverno russo. Aproximadamente 35 mil pessoas, vestidas de branco ou carregando algo desta cor, participaram de um flashmob que se estendeu por 15,4 km ao longo da avenida Sadovoe Koltso, que circunda o centro da cidade, incluindo o Kremlin. Os manifestantes deram as mãos exigindo eleições justas. Desde dezembro de 2011, a Rússia vem sendo palco de protestos como consequência das evidências de fraude eleitoral nas eleições legislativas do fim do ano passado. Uma carreata com buzinaço e lenços brancos completou o evento.
Os organizadores decidiram fazer este tipo de ato para fugir da necessidade de autorização da prefeitura. Como não há concentração de pessoas num mesmo local, não é exigida uma autorização prévia. Apesar do reforço policial nas ruas do centro de Moscou, nenhum incidente foi noticiado.
O “mega-abraço” começou às 14h locais (7h em Brasília) e durou cerca de uma hora. As pessoas que se davam as mãos nas calçadas, conversavam sobre a situação política da Rússia e tentavam convencer os pedestres que não participavam do evento a se juntarem aos manifestantes. Os que participavam da carreata acenavam, diziam palavras de apoio e informavam aos participantes que a avenida circular já estava toda “fechada” com o mega-abraço. Muitos idosos, impossibilitados de caminhar, entraram nos ônibus que fazem o trajeto da avenida circular e, de dentro dos transportes, agitavam seus lenços ou cachecóis brancos.
O clima era de festa. Os sisudos russos sorriam e faziam piadas entre eles. “Começou a nevar e a cidade ficará ainda mais branca. Até os céus estão com a gente. Até os céus exigem eleições justas”, comentava um senhor nos seus 50 anos. “A Rússia celebra hoje o Dia do Perdão (no calendário ortodoxo) e Putin deveria pedir perdão a todos nós pelas mentiras que contou”, completou o divertido senhor.
O “viva” russo – “Urá!” – era incessantemente repetido pelos participantes, sempre acompanhado de aplausos e gestos de apoio.
Diferentemente das manifestações pró-Putin, que contaram majoritariamente com pessoas das cidades medianas da Rússia e/ou da classe baixa, além dos jovens do movimento Nashi, o protesto deste domingo refletia a voz da classe média urbana do país. A mesma classe média que apoiou Vladimir Putin nos seus dois primeiros mandatos e que o considerava “krutoi”, palavra russa para “um cara legal, mas duro e exigente”, agora exige reformas políticas. “Eu gostava do Putin, votei nele duas vezes, mas quando ele anunciou que ia ser candidato à presidência mais uma vez, achei que já era demais. A Rússia não precisa de um tzar”, explicou a dona-de-casa Irina Mikhailova.
Entre os manifestantes, muitas pessoas com bandeiras do partido de oposição Iábloko, cujo líder, Grigory Yavlinski, teve sua candidatura impugnada na última semana porque, segundo o Comitê Eleitoral, 25% das assinaturas recolhidas pelo partido apresentaram algum tipo de irregularidade. O Comitê exige dois milhões de assinaturas para aprovar uma candidatura.
Aleksey Navalny, Vladimir Ryzhkov, Boris Nemtsov e Ilya Yashin, conhecidos líderes da oposição, juntamente com as apresentadoras de TV Tatiana Lazareva e Ksenia Sobchak, também participaram da cadeia humana. O candidato pelo Partido Comunista, Gennady Zyuganov e o ex-ministro da Fazenda e amigo de Putin, Aleksey Kudrin, apoiaram o movimento, apesar de não terem comparecido.
O atual presidente Dmitry Medvedev, cujo lema de Governo foi “modernizatsia” (modernização), promovendo leis mais rígidas que reduzissem a corrupção e diminuíssem a burocracia na Rússia, anunciou no último mês de setembro que não concorreria à reeleição, abrindo espaço a Vladimir Putin. Esta nova classe média russa, que parecia satisfeita gastando seus rublos nos resorts do Egito e da Turquia e financiando carros 4x4, e que via em Medvedev uma esperança de mudança, encarou o retorno de Putin como um retrocesso à velha estrutura de forte verticalização política. E esta mesma classe média, com seus smartphones e tablets, encontrou na internet um meio de mobilizar a sociedade civil. A Rússia conta hoje com 45 milhões de pessoas que navegam com frequência na rede mundial de computadores.
18% da população russa é considerada classe média, número que se eleva a 40% tomando como base somente a população de Moscou. A renda da classe média russa aumentou em 142% durante os oito anos em que Putin foi presidente do país.
Um outro flashmob foi organizado na Praça da Revolução, próxima ao Kremlin, neste domingo. Centenas de pessoas entoaram frases contra Putin e soltaram balões brancos, mas rapidamente se dispersaram entre turistas e locais que visitavam o emblemático centro de Moscou.
Dos três canais de televisão que cobrem todo o território nacional, dois deles (NTV e Rossyia) noticiaram rapidamente o flashmob organizado pela oposição. O Primeiro Canal não mencionou o evento durante os telejornais do dia.
Neste domingo os russos comemoraram o fim da Maslenitsa (carnaval local) e disseram adeus ao inverno e boas-vindas à primavera, que começa oficialmente no país no dia 1º de março. Apesar do otimismo da oposição, uma “primavera russa” não parece ser um cenário muito provável. Segundo o instituto estatal de pesquisa de opinião VTsIOM, Vladimir Putin conta com 58,6% de intenções de voto, seguido de longe pelo candidato comunista, Gennady Zyuganov, com 14,8%.
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