O início de tudo
Dilúvio é contaminado desde as nascentes, no Parque Saint Hilaire, divisa de Porto Alegre e Viamão
Desprezado e maltratado pela população ao longo de seus 17,6km, os mananciais refletem a degradação socioambiental do crescimento urbano
Fonte ZH
18/10/2014 | 15h06
Distribuídas pelos 18 quilômetros e mais de mil hectares de mata nativa no Parque Saint Hilaire, no limite entre Viamão e Porto Alegre, estão algumas das principais nascentes do arroio. São pelo menos 50 pontos de água vertentes do solo. Para encontrá-los, é preciso percorrer trilhas no mato fechado, desbastado pelo facão de um guarda-parque. A companhia do guia é importante não apenas para abrir os caminhos, mas também porque o lugar tem fama de ser perigoso, o que torna desaconselhável explorá-lo individualmente. Lá, a cena de pureza seria idílica se a matriz cristalina que corre entre as pedras já não estivesse poluída.
— Antigamente, essa água era boa para o consumo. Mas a presença, em Viamão e Porto Alegre, de moradias no entorno do parque, que jogam o esgoto diretamente nas nascentes sem nenhum tratamento, fez com que ela perdesse qualidade — diz o engenheiro florestal e responsável pelo parque Gerson Luís Mainardi.
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Para amenizar a interferência humana (são cerca de 200 famílias), o Ministério do Meio Ambiente tornou a região, em 2003, uma Unidade de Conservação. Hoje, passeios e visitas de escolas são controlados.
Na represa Lomba do Sabão, que ocupa área do parque no limite entre as duas cidades, estão outras nascentes. Até 2013, abasteciam o consumo de 20 mil habitantes da Lomba do Pinheiro. Em 1940, quando o Saint Hilaire era propriedade da Companhia Hidráulica Porto Alegrense e tinha bombas a vapor que mandavam água para as caixas do Departamento Municipal de Águas e Esgotos (Dmae), no Moinhos de Vento, outros bairros da Capital também recebiam água da represa. O site da prefeitura ainda apresenta o manancial como uma "reserva estratégica de água para a população da Capital, caso algum acidente ambiental venha a impedir temporariamente a utilização da água do Guaíba (principal fonte do Dmae)".
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Outro fator que levou à suspensão do abastecimento foi o crescimento de cianobactérias (algas azuis), que surgiram por ali pela combinação das mudanças geológicas e climáticas.
— O aumento da concentração de manganês tornou a água imprópria para o consumo — diz o presidente do Dmae, Flávio Presser.
Junto aos mananciais espalhados pelo Saint Hilaire e Represa da Lomba do Sabão, o Dilúvio recebe contribuição de inúmeros afluentes, cujas nascentes brotam das entranhas dos morros Santana, Alto Petrópolis, da Companhia, Pelado, Petrópolis, da Polícia, Rio Branco, Primavera, Santa Tereza e Santo Antônio. Nessas elevações de terra, arroios como o dos Marianos, Moinho, São Vicente, Cascata e Cascatinha têm nascentes igualmente poluídas e impactadas por moradias irregulares, descarte de lixo, presença de animais e contaminação por chorume.
No meio do mato
É no Parque Saint Hilaire, entre Viamão e Porto Alegre, que começa o Arroio Dilúvio. Quem vê as fontes cristalinas surpreende-se ao saber que a água já nasce comprometida. Culpa da ação do homem (moradias irregulares jogam esgoto doméstico) e da inação do poder público. É nas nascentes, entretanto, que a vegetação original está mais conservada.
— É principalmente lá que se encontram espécies típicas de mata ciliar — diz o coordenador do Centro de Pesquisa e Conservação da Natureza Pró-Mata e professor da Faculdade de Ciências Biológicas da PUCRS, Pedro Ferreira.
A Lomba do Sabão
A represa da Lomba do Sabão, no limite entre Viamão e Porto Alegre, já foi própria para banho e, até 2013, abastecia 20 mil moradores da Lomba do Pinheiro. Hoje, está condenada, com todo tipo de lixo e coliformes fecais.
Janaína Florêncio dos Santos mora em frente à barragem Lomba do Sabão
Foto: Tadeu Vilani
Onde a Ipiranga ainda não tem asfalto
Ao deixar o Parque Saint Hilaire, o arroio desce a encosta da Lomba do Sabão, cruza a Avenida Bento Gonçalves, na altura da Rua João Antonio Lopes, passa pelo Campus do Vale da UFRGS onde corre paralelo à Avenida Ipiranga, quando esta ainda é feita de chão batido (foto acima), e à Avenida Bento Gonçalves. Nesse estágio, tem as margens com belas matas e nenhum sinal da vida agitada do asfalto. Na altura da Antônio de Carvalho, transforma-se enfim em um curso d´água urbanizado que corre entre taludes de concreto ladeados pela Ipiranga até a sua foz, na altura da Edvaldo Pereira Paiva.
Saiba mais:
A extensão do arroio é de 17,6 km
80% do percurso está em Porto Alegre e 20% em Viamão.
12 quilômetros de seu curso estão contidos na estrutura de concreto da Avenida Ipiranga, onde existem 17 pontes
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