Haitianos procuram alimentos, a maioria podre, acumulados em meio a roupas doadas aos desabrigados
Foto: Laryssa Borges/Terra
Foto: Laryssa Borges/Terra
Rua dos Milagres, 20h em Porto Príncipe.
Um comboio das Nações Unidas patrulha
o bairro de Bel-Air, o mais afetado pelo terremoto
que matou cerca de 230 mil haitianos em 2010.
Nas ruas desertas, apenas os faróis dos caminhões
militares iluminam poucos rostos - todos acuados.
Em um canto, mulheres preparam o cardápio da noite:
carcaça de galinha ao molho de mostarda.
A poucas quadras dali, a expressão "cozinha do inferno"
é insuficiente para descrever o centro de distribuição
de alimentos da região - a maior parte, podres.
Roupas sujas e doadas disputam lugar com pilhas
de alfaces estragadas. As vísceras de cabras,
porcos e aves, destrinchados em praça pública,
formam enormes fogueiras. Qualquer noção de
saneamento básico é absolutamente ignorada.
O odor da miscelânea ofertada pelos "chefs" inebria
os olhos e nariz de forasteiros. Os haitianos barganham
o alimento que o restante do mundo rejeita.
No bairro de Bel-Air, onde a maior quantidade dos mortos
pelo terremoto ficou por semanas soterrada,
palavras de ordem são pichadas nas redondezas
dos muros do Palácio Nacional, atual sede -
semi destruída - do governo René Préval.
Parte da população é hostil ao olhar dos "turistas da miséria"
- fotografando as mazelas alheias - a Préval,
classificado como "ladrão" das doações da comunidade
internacional aos haitianos,
e à própria Minustah (Missão das Nações Unidas para
a Estabilização do Haiti).
Meia dúzia de banheiros químicos são amontoados
em frente a barracas de desalojados -
estas apenas um dos 123 acampamentos de desabrigados
da capital haitiana. Uma jovem, em meio à lama,
tenta equilibrar a vela nas mãos para ir ao toilette
alagado e malcheiroso. Desinibido, um rapaz urina
diante da população.
Bel-Air, 8h do dia seguinte. O mote "ousar ainda
é o melhor jeito de ser bem sucedido" permanece
marcado em spray nas redondezas do Palácio Nacional do Haiti.
O comércio, desorganizado, tenta dar vazão a rádios,
comprimidos, pães e o quê mais puder ser juntado
pelos aspirantes a vendedores.
Carros seguem abandonados. Os escombros -
60 milhões de toneladas de entulho foram consequência
do terremoto - entopem ruas, bueiros e canais
que um dia podem ter transportado água fresca
para a população do país mais pobre das Américas.
Em menos de três meses mais de 3,3 mil haitianos
morreram vítimas da cólera. De todos os micro avanços
ofertados ao Haiti desde o massacre provocado pelo terremoto,
o saneamento básico é o maior entrave. De Bel-Air,
símbolo da destruição dos tremores de terra, só resta o nome.
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